Médicos, pejotização e fraude
Recentemente, tornou-se viral nas redes sociais uma notícia dando conta de que a Receita Federal do Brasil estaria fiscalizando e autuando médicos e suas PJs (pessoas jurídicas) visando a cobrança de imposto de renda e contribuição previdenciária sobre os valores distribuídos pelas empresas aos seus sócios (médicos) sob a forma de distribuição de lucro, uma vez que, segundo informado na notícia veiculada, a “pejotização” seria, por si só, uma fraude à legislação trabalhista e tributária.
De antemão cumpre esclarecer que a “pejotização” não configura, por si só, qualquer infração à legislação trabalhista, quicá tributária. Os médicos, assim como quaisquer outros profissionais liberais podem se reunir em sociedades (sejam elas simples, empresárias, cooperativas, ou quaisquer outros modelos) para prestar serviços, sem que isso implique em qualquer fraude à legislação. O planejamento tributário, desde que reflita a realidade de fato do contribuinte (sem desvirtuamento da realidade em busca de melhores condições tributárias) é medida absolutamente lícita e deve ser aceita pela autoridade tributária.
Todavia, a despeito da licitude do planejamento tributário, há casos em que se verifica abusos praticados por alguns contribuintes, que desvirtuam a natureza da atividade efetivamente realizada, forçando o enquadramento em situações de benefícios tributários aos quais não faria jus. Nesses casos não estamos diante de planejamento tributário, mas de evasão fiscal, podendo e devendo, a autoridade tributária, autuar o contribuinte aplicando-lhe a norma tributária adequada à sua realidade fática.
Em se tratando especificamente dos serviços médicos, de fato há notícias de casos em que a Receita Federal desconstituiu a PJ para exigir dos médicos o imposto de renda e a contribuição previdenciária na qualidade de contribuintes diretos (como pessoas físicas), inclusive com incidência de multa. Ocorre, entretanto que se trata de casos excepcionais em que a autoridade fiscal identificou, naquele caso específico, indícios de fraude, a exemplo de: sociedade que presta serviços exclusivamente a um único tomador (hospital, que impôs aos médicos essa estrutura para fugir dos encargos trabalhistas); sociedade sem nenhuma estrutura administrativa (em que fica evidente não se tratar de empresa); casos em que há indícios de que a “distribuição de lucros”, camuflando verdadeiro “salário” (com a presença dos requisitos de uma relação de empreso: onerosidade, subordinação, não eventualidade, pessoalidade); etc.
Certo é que a constituição de PJs por médicos para prestar serviços, em si não representa qualquer infração à legislação trabalhista ou tributária, principalmente quando se trata de sociedades constituídas em atendimento aos rigores legais, que tenham multiplicidades de tomadores de serviços, que tenham sido constituídas de forma livre e espontânea pelos seus sócios e que, efetivamente disponham dos elementos de empresa condizentes com o seu modelo societário.
Assim, entendemos que não há, ao menos até o momento, motivos para temer a “pejotização”em si. Devemos, entretanto, estar atentos à forma como a operação dessa PJ se dá, de maneira a não cair na tentação de desvirtuar a sua realidade em prol de um benefício tributário ao qual não faz jus.